sexta-feira, 28 de agosto de 2009

“A CASA DE JORGE”
A RESTAURAÇÃO

Aderindo a causa do Presidente da Academia Alagoana de Letras, Dr. Ib Gatto Falcão - em transformar aquelas ruínas em um grande centro cultural, o desafio inicial foi, em 2003, colher informações gerais numa cidade que ainda conta com inúmeras deficiências de arquivos e acervos; além da perigosa tarefa de se fazer um levantamento físico de uma ruína que, a cada dia, se tornava mais frágil, para posterior desenvolvimento do projeto executivo. A assessoria dos acadêmicos Francisco Valoir e Solange Chalita, puderam embasar, com melhor precisão, os dados históricos colhidos para a elaboração do projeto. Assim como a definição do estilo arquitetônico neo colonial, adotado na casa foi esclarecido com a Professora e Doutora em patrimônio histórico, Josemeire Ferrary. Aliás, muitos ainda perguntam, e com uma certa lógica, se a arquitetura é eclética, porém devo sempre esclarecer que apesar de não ter todas as características neo-colonial, a casa, que também se utiliza de elementos de outros estilos, pode se enquadrar em uma arquitetura “híbrida” com fortes tendências para o neo-colonial. Porém destaca-se como acesso principal uma elegante varanda decorada com azulejos coloridos trazidos de sua casa do Sr. Basiliano Sarmento em União dos Palmares.
Para o Dr. Ib Gatto, restaurar a casa de Jorge de Lima, para criar um Centro Cultural, além de garantir um funcionamento digno a este imóvel, valoriza o entorno, estimula a recuperação de áreas hoje deterioradas, o que é mais importante, desperta a consciência coletiva para a importância da preservação da memória cultural do Estado. Significa também preservar sua memória, recuperar a mensagem espiritual nela contida, possibilitado seu diálogo com as gerações futuras.
A história da casa de Jorge de Lima foi também traçada através de depoimentos de pessoas que lá moraram. Pouca coisa se encontrou em livros e documentos escritos, para fundamentar a veracidade dos fatos. Tem-se certeza, porém, que a edificação foi erguida para o escritor alagoano Jorge de Lima, quando regressou do Rio de Janeiro, na década de 1920.
Jorge de Lima morou por alguns anos e depois a alugou. Os inquilinos foram pessoas importantes e influentes no contexto histórico alagoano, a família de Carlos Piatti e a família de Hermani Almeida, são exemplos de pessoas que lá moraram. Os últimos inquilinos foram Manoel Casado de Mello e família, que acabaram comprando a casa em 1958. Depois da morte do patrono da família, suas herdeiras resolveram alugar a casa que foi transformada em clínica médica. Primeiro foi a clínica SUCAN, depois a SAME, entre outras; e várias modificações e ampliações foram feitas, descaracterizando sua arquitetura original, como portas e janelas entaipadas e ampliação de parte posterior (quebrando a unidade de conjunto do edifício), criação de elementos que fogem da leitura original da edificação, como colunas esbeltas, novas coberturas, bancos e balcões de concreto, deslocamento da escadaria (...) para adaptar esta antiga residência ao novo uso.
Inserida na Praça Sinimbú, a casa localizava-se numa área de contínua dinâmica de transformação urbana que se deu sempre em ritmo ascendente, atingindo o clímax na década de 1960 com novas construções em terrenos circundantes a Praça, substituindo fortes referências como o antigo prédio do Lyceu de Artes e ofícios, onde em janeiro de 1961 foram iniciadas as obras da Escola de Engenharia. Ao lado desta, uma outra surgiria, também em substituição ao antigo prédio da Companhia Alagoana de trilhos Urbanos. Surgiu então no lugar da velha garagem e oficina de bondes elétricos, uma nova construção para sediar a residência Universitária Masculina e o Restaurante Universitário, ambos construídos por decisão assistencial do reitor Aristóteles Calazans Simões.
A praça Sinimbú também sofreu intervenções ao longo do tempo, principalmete na década de 60 onde ela também foi dividina ganhando bancos e adereços como “um painel todo em azulejos de cores diversificadas, mostrando através de desenhos a economia local, com uma piscina cuja fonte era um “my-joãozinho”. No verso desse mural estava escrita “LÁ VEM O ACENDEDOR DE LAMPIÕES ”, homenagem ao poeta alagoano Jorge de Lima. Assim essa outra pracinha foi denominada JORGE DE LIMA.”(Castelo Branco, 1993:51)”.

Há cerca de quinze anos o edifício deixou de ser clínica e ficou abandonado. Nenhum outro uso lhe foi conferido, e a ação do tempo tratou de deixar o prédio em péssimo estado de conservação. Ao longo desses anos, o imóvel sofreu sensíveis interferências em seu conjunto arquitetônico que descaracterizou seu aspecto e o transformou numa ruína, expressando uma imagem bem diversa do que representou a época de sua construção: um toque de modernidade da arquitetura que se estava fazendo no sul do país, de onde ele (o poeta) encomendou o projeto para implantá-lo num reduto da modernidade alagoana”.
A necessidade de vanguarda no estilo de sua residência vem do seu próprio modo de ver a vida e de sua própria obra na busca do novo, do conceito universal, como podemos perceber em uma de suas citações:
(...) “Fome do eterno, do essencial, do universal. Não venho para a presente fase de minha poesia, por ter falhado como poeta “modernista”, apenas brasileiro. Vi poemas meus se popularizarem. E hoje eles já não me satisfazem mais. Tenho verdadeiramente fome do universal” (...).
O último proprietário tinha por objetivo, em 1997, transformar este imóvel numa estrutura maior para cursos de pré-vestibular. No entanto, não aconteceu, sendo o imóvel comprado pela Prefeitura Municipal de Maceió, na gestão da Prefeita Kátia Born e doado a Academia Alagoana de Letras para posterior Restauro.
A iniciativa de proposta de restauro do prédio segue a diretriz de valorização do bairro do Centro da cidade e sua interligação com o revitalizado bairro de Jaraguá, adotada pela administração municipal, e reflete uma tendência mundial que vem sendo posta em prática, ultimamente, no nordeste: a recuperação dos centros históricos.
Numa dinâmica notável, a Praça Sinimbu ainda é palco de efervescências políticas, desportivas e culturais dos estudantes universitários, representados na antiga reitoria da Universidade Federal de Alagoas/UFAL, hoje seu espaço cultural; além de manifestações políticas em frente ao Tribunal Regional Eleitoral, e INCRA, todos localizados nas ruas que limitam a Praça.
A ampliação do Clube Fênix Alagoana, tapumes e outdoors em frente da Casa de Jorge de Lima a escondem, sendo, até pouco tempo atrás, pouco ou nada notado pela população que ali passa. Somente o olhar investigador e conhecedor da história podia perceber a depreciação e o descaso com uma obra arquitetônica de tamanho valor.
Simultaneamente, a luta do Dr. Ib Gatto Falcão para a aprovação do projeto no Ministério da Cultura, contou com a importante ajuda de seus netos Maurício Breda e Paulo Breda, e de suas competentes secretárias: Vera e Emília, e se arrastou entre 2003 e 2006, através de inúmeros procedimentos burocráticos, cujo suado selo da Lei Rouanet foi o prêmio de tanto esforço. Neste processo, mais um obstáculo pode ser superado com a aquisição da casa pela Prefeitura de Maceió através da sensibilidade dos antão Secretários Daniel Bernardes e Maurício Toledo, durante a gestão da Prefeita Kátia Born e doada para a Academia Alagoana de Letras.Porém este era apenas o início, pois a busca de parceiros investidores também rendeu a Dr. Ib Gatto constantes idas e vindas aos escritórios e gabinetes das esferas municipal e estadual, além de contatos telefônicos com instituições federais e estatais. É impressionante a luta de um homem que, aos noventa e poucos anos, chegava diariamente a AAL as 8:00h e ao sair, as 12:00 conseguia dinamizar as relações com sua notável capacidade de busca e persistência. A inegável contribuição dos acadêmicos Luiz Nogueira e Benedito Ramos, que sempre se fizeram presentes na elaboração dos documentos teve também como resultado, a aprovação dos recursos iniciais, ainda em 2006 e 2007, com Eletrobrás, BNDES, Sindicato do Açúcar e Secretaria Estadual de Planejamento.
Lembro-me também, em 2005, das inúmeras discussões nas audiências públicas promovidas pela administração municipal para elaboração do Plano Diretor de Maceió que, ao tratar das questões de patrimônio, exigia providências quanto ao péssimo estado de conservação da casa de Jorge de Lima. Enquanto sociedade organizada, era clara a visão da importância da restauração para a cidade e suas referências culturais.
Daí em diante a motivação aumenta, não só pelo fato de eu ser uma arquiteta restauradora em busca da valorização do patrimônio histórico, mas pela adesão ao sonho (que poderia ser o último entre tantos realizados) de um homem com visão de vanguarda.
Entendendo que uma obra de restauro é especial e específica, contamos também com a assessoria do arquiteto soteropolitano, Mário Mendonça, professor e pesquisador do CNPQ da Universidade Federal de Bahia, que pode orientar precocemente as intervenções estruturais da casa. Além dele foi contratada a engenheira Fátima Melo para organização dos convênios e fiscalização da obra.
Em 2007, ao promover a escolha da construtora para executar a obra, através de processo licitatório que contou como presidente da comissão o acadêmico Dr. Marcos Melo, a AAL pode, finalmente, autorizar o início das obras no dia 11 de junho de 2007 com a empresa ganhadora Systems Engenharia.
Somando de 2003 a 2006, quase quatro anos se passou para implantar o projeto que, a essa altura, já se encontrava defasado diante da rápida deterioração da casa. Cada dia era um novo dia e a ajuda de prospecções pictóricas e estruturais foram fundamentais para o bom andamento dos trabalhos.
Já com a obra em andamento, o acesso ao primeiro filme alagoano, ainda preto e branco, intitulado “ Casamento é negócio?” , cedido por Keyler Simões, da Secretaria de Cultura, mostrou em seus primeiros capítulos, toda a área externa da casa do poeta, tornando assim o maior e melhor registro iconográfico, que pude encontrar. A partir daí significativas modificações do projeto foram feitas para adequar ao recente registro encontrado.
A casa começa a mudar e o resultado era notado a partir dos comentários dos amigos que, agora, conseguiam enxergar a casa ao passar pela Praça Sinimbú. Na realidade a etapa da pintura da casa “acendeu” a edificação para o olhar curioso da população. Via sempre, ao sair da obra, a amiga arquiteta e fotógrafa Nímia registrando diariamente o desenvolvimento dos trabalhos. Dela deve vir algo especial com esse registro.
Lembro-me perfeitamente do dia em que recebemos a visita na obra das técnicas do BNDES, Sras. Isis Pagy e Jany Santos ; visita esta que contou também com a presença do Presidente Ib Gatto Falcão. Na oportunidae pude ver o emocionante marejar dos seus olhos num contemplamento sincero da transformação do seu sonho em realidade. E assim, olhado para a fachada, ele disse: “ olha como ela (a casa) está bonita (...)!
Depois de restaurado, o imóvel será dirigido pela Academia Alagoana de Letras, através do acadêmico Ricardo Nogueira, e se transformará num Centro Cultural que terá por fim desenvolver a educação e a cultura literária de Alagoas, procurando, para a realização de seus objetivos, adquirir livros, documentos e manuscritos de homens de letras, sobretudo de Alagoas; manter biblioteca com sala de leitura, arquivos e museus de objetos pertencentes aos sócios falecidos, entreter relações com sociedades congêneres do país e do estrangeiro, publicar a sua revista e trabalhos valiosos que servem de assuntos literários; promover conferências, reuniões, cursos sobre temas culturais; instituir prêmios e horárias e colaborar intelectualmente com os poderes públicos no aprimoramento das letras em Alagoas.
O mais interessante neste contexto é a visão do poeta que, desde a sua época, considerava a Academia de Letras uma instituição condutora de ações com finalidades social e histórica, propósito este que vem sendo a essência do projeto do Centro Cultural Jorge de Lima.
Sobre a Academia Brasileira de Letras: (...) “Não só a minha geração, mas as gerações que nos sucedem hão de procura-la, porque ela representa uma tradição, uma continuidade, uma fundação que dispõe das maiores garantias de perpetuidade. (...) a Academia já conseguiu passar do período de simples representação ornamental para o da finalidade social, histórica, para o interesse humano e não simplesmente nacional. É o nosso maior núcleo intelectual digno de receber as sumidades do panorama mundial de esquerda e de direita”(...).

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